Memórias de um Estrangulador de Loiras (Júlio Bressane, 1971) - Memórias de um Estrangulador de Louras é rigoroso em sua musicalidade visual: a ação objetiva é mínima, mas o em torno é o que conduz ao mistério. O cinema sempre foi sonoro e qualquer diálogo pode ser imaginado pelo espectador, ainda que não haja fala na pista de som nem cartelas com legendas. No caso de Memórias de um Estrangulador de Louras, um filme sem diálogos, o gesto vem carregado de intenções literárias, poéticas, inclusive em sua estrutura. Os longos planos frontais que comprimem o estrangulador (Guará) num quarto de um apartamento ou sentado na latrina de um banheiro; o close nas mãos de Guará sendo cuidadosamente lavadas numa pia; os planos em perspectiva e as interferências radicais na própria imagem (a mão que treme, tal como uma bandeira ao vento, diante da objetiva, obstruindo o rosto insondável de Guará), todos estes recursos revelam mais sobre o personagem do que quilômetros de diálogos psicológicos, sendo ainda uma excelente saída para condições precárias de produção: quem não tem som direto, caça com arquivo sonoro da BBC. A figura do estrangulador pode ser interpretada de diversas maneiras: impotente, louco, pervertido ou simplesmente um pacato escritor burguês que se delicia expondo ao seu público algumas aberrações. Nenhuma dessas hipóteses é realmente válida, já que Memórias de um Estrangulador de Louras independe de um entendimento estritamente racional. O fluxo do filme é também o do inconsciente: o flash-back e a cronologia servem aqui como elementos fundamentais na concatenação das ações e na criação do clima onírico. Bressane faz questão de lançar mão de ganchos tradicionais para melhor "fechar" a estrutura narrativa (se é que é correto falar em narrativa, neste caso). O filme abre com a infância do personagem, desenvolve-se na espiral de suas ações repetidas (o assassinato em série das louras) e termina com o crepúsculo do estrangulador, agora um velhinho de aparência inofensiva que escreve suas memórias. Ou seja, Memórias de um Estrangulador de Louras utiliza os recursos cinematográficos com a sem-cerimônia já indicada na lição de Rogério Sganzerla: "ser acadêmico quando interessa".

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