“A FALECIDA”: FUTEBOL ACIMA DE TUDO, HIPOCRISIA ACIMA DE TODOS. No Brasil de Nelson Rodrigues, ninguém presta. A cartomante cobra ilegalmente pelos seus serviços e atende os clientes escondida da política. O dono da funerária recebe informações privilegiadas do jornalista que fica sabendo antes de todos das mortes acontecidas na cidade, o que lhe facilita a venda de caixões. O próprio funcionário da mesma funerária não hesita em assediar uma cliente que quer encomendar um rico enterro. A dona de casa beata e religiosa trai o marido com um poderoso empresário (contraventor, claro), que por sinal também é casado. Ela fica feliz ao saber que sua prima – mais bonita – tem câncer. Enquanto isso o marido traído, desempregado, está muito mais preocupado com a final entre Vasco e Fluminense que com a própria esposa. Em “A Falecida”, a protagonista (Fernanda Montenegro, perfeita) busca na morte a realização do que foi incapaz de encontrar em vida. Como uma espécie de autopunição pelos “pecados” passados, apoia-se na religião e na procura pela doença para expiar a mediocridade de sua existência. A ela só resta morrer, mas com um funeral que faça inveja a todos os que ficam. Já o marido (Ivan Candido) é o protótipo da alienação, movido a motivado a álcool, sinuca e futebol. A contusão do ídolo de seu time na véspera da decisão do campeonato lhe soa a tragédia. Uma decisão, aliás, que rende ao filme uma belíssima cena final. O afiado elenco ainda traz Nelson Xavier, Paulo Gracindo, Joel Barcelos, uma pequena participação de Hugo Carvana e uma brevíssima aparição de José Wilker na cena final. Todos sob a direção impecável de Leon Hirszman com roteiro do próprio diretor em parceria com Eduardo Coutinho, antes de se tornar um dos maiores documentaristas do Brasil. Trilha de Radamés Gnatalli, fotografia de José Medeiros e câmera de Dib Lutfi ajudam a coroar a obra. Em “A Falecida”, hipocrisia, traições, mau-caratismo, falso moralismo, o futebol acima de tudo e a cerveja acima de todos comandam as ações deste Brasil 1950/60 que talvez seja mais contemporâneo do que se pensa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário